Docussérie da Netflix examina o legado de “loucura” e danos metabólicos de ‘The Biggest Loser’

A série de três partes da diretora Skye Borgman apresenta ex-participantes, treinadores e produtores confrontando os métodos controversos do programa e suas consequências de longo prazo, documentadas cientificamente.
09/08/2025 4:31 AM EDT
Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser – Netflix
Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser – Netflix

Uma nova docussérie que estreia na Netflix está prestes a reexaminar um dos programas de reality show mais populares e polarizadores da televisão. Intitulada ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’, a série de três partes mergulha nos bastidores da competição de perda de peso que se tornou um fenômeno global, explorando os aspectos “bons, ruins e complicados”. A série é dirigida por Skye Borgman, cujo trabalho anterior inclui o documentário investigativo A Garota da Foto, e é produzida pela Boardwalk Pictures, sinalizando a intenção de ir além dos clichês de reencontros de reality shows e adentrar o campo do jornalismo sério.

The Biggest Loser estreou na NBC em 2004, com 18 temporadas antes de uma mudança posterior para o canal USA Network. Tornou-se um gigante de audiência, construído sobre uma premissa simples: participantes com sobrepeso competiam para perder a maior porcentagem de seu peso corporal por um grande prêmio de US$ 250.000. O programa se apresentava como um veículo para uma transformação de vida, inspirando milhões de telespectadores. No entanto, ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ promete explorar o abismo entre essa narrativa pública e a realidade dos bastidores, apresentando entrevistas novas e sinceras com ex-participantes, treinadores como Bob Harper, produtores e profissionais de saúde independentes.

O documentário enquadra um conflito central que assombra o programa há anos. De um lado, está a equipe de produção, representada por figuras como o produtor executivo David Broome, que emite uma defesa desafiadora no trailer da série: “Diga-me um programa que realmente mudou a vida das pessoas como The Biggest Loser mudou. Adoraria ouvir”. Do outro lado, estão os participantes e até mesmo alguns insiders que apresentam um quadro drasticamente diferente. O treinador Bob Harper reconhece a fórmula que impulsionou o sucesso do programa, admitindo que o espetáculo do sofrimento foi uma escolha deliberada: “Ver a gente em uma academia gritando, berrando — isso é boa TV”.

O lançamento deste documentário é oportuno, chegando mais de duas décadas após a estreia do programa original. Nesse tempo, os cenários culturais e científicos mudaram drasticamente. A narrativa inicial de que a perda de peso era uma simples questão de força de vontade, que o programa defendia, foi desafiada por uma compreensão científica mais profunda do metabolismo, dos hormônios e da complexa biologia da obesidade. Um estudo marcante de 2016 dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA sobre ex-participantes de The Biggest Loser forneceu dados cruciais sobre esses efeitos fisiológicos a longo prazo, movendo o debate da anedota para a evidência. Simultaneamente, as conversas públicas sobre saúde mental, imagem corporal e ética na mídia evoluíram, criando uma nova lente através da qual se pode ver os métodos do programa. ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ não é, portanto, apenas uma retrospectiva; é uma reavaliação, aplicando essa compreensão moderna a um artefato cultural de outra era. A escolha de uma diretora investigativa como Borgman ressalta esse propósito, sugerindo que a série visa responsabilizar uma poderosa instituição de mídia por suas práticas e seu impacto duradouro.

Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser – Netflix
Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser – Netflix

Confissões na tela e alegações prejudiciais

No cerne de ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ estão os depoimentos diretos daqueles que viveram a experiência, alegando que a busca por uma televisão dramática teve um custo físico e psicológico severo. A série detalha alegações de que os métodos do programa levaram os participantes a um território perigoso, com pouca consideração por seu bem-estar. Tracey Yukich, participante da 8ª temporada, afirma no trailer: “Meus órgãos estavam literalmente parando de funcionar”, enquanto Joelle Gwynn, da 7ª temporada, lembra de sentir tanta dor que “mal conseguia andar”, apenas para ser dispensada pela equipe que lhe disse: “É só andar que passa”. Essas alegações na câmera ecoam relatos anteriores, fora das telas, de ex-participantes. Kai Hibbard, da 3ª temporada, relatou anteriormente ter sofrido com pés sangrando por semanas, queda de cabelo e a interrupção de seu ciclo menstrual devido ao regime do programa. Outra participante anônima daquela época afirmou subsistir com apenas 400 calorias enquanto suportava treinos de oito a nove horas, o que resultou em grave perda de memória de curto prazo.

O documentário sugere que esse sofrimento não foi um efeito colateral infeliz, mas um elemento intencional da produção do programa. O treinador Bob Harper faz uma admissão chave, afirmando que os produtores buscavam ativamente conteúdo visceral e muitas vezes perturbador. “As pessoas gostam de tirar sarro de gente gorda”, diz a participante Joelle Gwynn, ao que Harper acrescenta: “E os produtores adoram essa merda. Eles diziam: ‘Queremos que eles vomitem. Queremos a loucura toda’”. Esta declaração conecta diretamente a estratégia de entretenimento do programa à exploração do estigma do peso. A “loucura” era o produto vendido aos telespectadores. Essa abordagem começava no próprio processo de seleção. O produtor executivo J.D. Roth é sincero sobre os critérios de seleção: “Não estávamos procurando pessoas com sobrepeso e felizes. Estávamos procurando pessoas com sobrepeso e infelizes”. Esse alvo em indivíduos emocionalmente vulneráveis foi agravado pelo que a ex-treinadora Jillian Michaels descreveu mais tarde como uma falta de apoio adequado à saúde mental no set, observando que os participantes precisavam de um “trabalho profundo” que o programa não estava equipado para fornecer. O documentário inclui alegações de que os treinadores, sem qualificações profissionais, foram colocados na posição de fornecer terapia.

Este sistema foi projetado para produzir resultados drásticos em um ambiente artificial e insustentável. Os participantes eram isolados de suas vidas reais — seus empregos, famílias e tentações diárias — e submetidos a exercícios extremos e restrição calórica que seriam impossíveis de manter a longo prazo. Após a final, muitos participantes relataram ter sido “abandonados” pelo programa, sem um sistema de cuidados posteriores ou apoio estruturado, mesmo quando começaram a recuperar o peso e imploraram por ajuda. Esse resultado previsível foi então enquadrado por alguns associados ao programa como um fracasso pessoal e moral. O ex-produtor J.D. Roth caracterizou a recuperação de peso como um retorno dos participantes a “padrões de tomada de decisão ruins” depois de terem “ganhado na loteria” por estarem no programa. O documentário parece desafiar diretamente essa narrativa, sugerindo que o fracasso não foi dos participantes, mas do sistema que os colocou em um caminho em direção a um colapso físico e psicológico quase inevitável.

A série também captura as posições complexas e às vezes contraditórias dos envolvidos. Bob Harper, apesar de suas admissões francas sobre as exigências da produção, também declara: “Eu nunca colocaria ninguém em perigo”. Essa justaposição aponta para a difícil posição que os treinadores podem ter ocupado, presos entre a pressão dos produtores por conteúdo que gerasse audiência e um senso pessoal de responsabilidade pelas pessoas sob seus cuidados. Isso complica uma narrativa simples de heróis e vilões, retratando, em vez disso, um sistema onde os talentos na tela podem ter sido tanto facilitadores quanto participantes em conflito.

A ciência das sequelas: um preço biológico duradouro

Além dos depoimentos emocionantes, ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ é sustentado por evidências científicas que dão peso às alegações dos participantes. O documentário revisita as descobertas de um estudo marcante de 2016 liderado pelo Dr. Kevin Hall, dos Institutos Nacionais de Saúde, e publicado na revista Obesity, que acompanhou 14 participantes da 8ª temporada por seis anos após o término da competição. Esta pesquisa oferece um olhar duro e quantitativo sobre as consequências biológicas de longo prazo dos métodos do programa.

A descoberta mais crítica do estudo se relaciona a um fenômeno chamado “adaptação metabólica”, ou a desaceleração da Taxa Metabólica de Repouso (TMR) do corpo em resposta à perda de peso. Embora alguma desaceleração metabólica seja normal durante uma dieta, os efeitos nos participantes de The Biggest Loser foram extremos e persistentes. Ao final do programa de 30 semanas, seus metabolismos haviam desacelerado em média 610 calorias por dia a mais do que seria esperado para seu novo e menor tamanho corporal. A descoberta verdadeiramente prejudicial foi que essa lesão metabólica não se curou. Seis anos depois, mesmo após recuperarem uma média de 40 kg, seus metabolismos ainda estavam suprimidos, queimando em média 704 calorias por dia a menos do que deveriam.

Esse dano metabólico foi agravado por uma batalha hormonal. O estudo mediu os níveis de leptina, um hormônio chave que sinaliza saciedade ao cérebro. Ao final do programa, os níveis de leptina dos participantes haviam despencado para quase zero. Seis anos depois, eles haviam se recuperado apenas para cerca de metade de seus níveis originais, deixando-os em um estado de fome constante e intensa. A combinação de um metabolismo permanentemente suprimido e sinais de fome implacáveis criou uma armadilha biológica. Isso tornou uma recuperação de peso significativa quase uma inevitabilidade, impulsionada pela fisiologia em vez de uma falha de força de vontade. Os dados do estudo, resumidos abaixo, deixam isso claro.

MétricaBase (Antes do programa)Fim da competição (30 semanas)Acompanhamento de 6 anos
Peso médio148.9 kg (328 lb)90.6 kg (199 lb)131.6 kg (290 lb)
TMR média (real)2.607 kcal/dia1.996 kcal/dia1.903 kcal/dia
Adaptação metabólica+29 kcal/dia (Normal)-275 kcal/dia (Desacelerada)-499 kcal/dia (Persistentemente desacelerada)
Leptina (Hormônio da saciedade)41.14 ng/mL2.56 ng/mL27.68 ng/mL
Fonte: Fothergill et al., Obesity (2016)

As descobertas científicas revelam um paradoxo cruel embutido na premissa do programa. O estudo do NIH observou que “os sujeitos que mantiveram maior perda de peso em 6 anos também experimentaram maior desaceleração metabólica concorrente”. Isso significa que os participantes que tiveram mais “sucesso” em manter o peso foram aqueles cujos corpos estavam lutando mais, exigindo que suportassem uma penalidade fisiológica mais severa para manter seus resultados. Essa descoberta inverte completamente a narrativa simplista do programa de “vencedores” e “perdedores”. Além disso, a abordagem “totalmente natural” do programa, de dieta e exercícios extremos, revelou-se mais prejudicial metabolicamente do que uma grande cirurgia. Pesquisas mostraram que pacientes que se submeteram à cirurgia de bypass gástrico e perderam uma quantidade comparável de peso experimentaram apenas metade da adaptação metabólica dos participantes de The Biggest Loser. Isso sugere que o método do programa, longe de ser uma alternativa saudável, pode ser um dos caminhos fisiologicamente mais prejudiciais para a perda de peso já popularizados.

O custo psicológico da transformação

O preço físico documentado pela ciência foi espelhado por um profundo custo psicológico, tanto para os participantes quanto para o público espectador. Ex-participantes falaram sobre as consequências mentais e emocionais de longo prazo do programa, incluindo o desenvolvimento de transtornos alimentares, imagem corporal distorcida e um fardo emocional duradouro. A experiência não terminou quando as câmeras pararam de filmar. A participante Kai Hibbard descreveu a ansiedade duradoura de ser constantemente examinada pelo público anos depois, com estranhos olhando em seu carrinho de supermercado para julgar suas escolhas alimentares. Para muitos, o sentimento de ser celebrado por sua perda de peso e depois “abandonado” e rejeitado pelos produtores do programa quando o peso voltou levou a profundos sentimentos de “derrota e rejeição”.

Além do dano aos participantes, pesquisas acadêmicas indicam que o programa teve um impacto negativo na sociedade em geral, reforçando o estigma do peso. Um estudo de 2012 descobriu que mesmo uma breve exposição a The Biggest Loser aumentou significativamente a aversão dos espectadores a indivíduos com sobrepeso e fortaleceu sua crença de que o peso é inteiramente uma questão de controle pessoal — um pilar do preconceito de peso. Outro estudo focado em adolescentes descobriu que assistir ao programa aumentava as atitudes negativas em relação a indivíduos obesos, potencialmente ao alimentar o medo da gordura nos jovens espectadores. Ao retratar repetidamente seus participantes de maneiras estereotipadas — como preguiçosos, emocionalmente instáveis ou sem força de vontade antes de sua transformação — o programa contribuiu para uma cultura tóxica de humilhação corporal (body shaming).

O programa efetivamente criou e lucrou com um ciclo de feedback prejudicial. Começou com o preconceito social preexistente contra a obesidade, amplificou-o para entretenimento por meio de táticas de humilhação e desafios extenuantes, e depois transmitiu esse estigma intensificado para milhões de lares. Ao fazer isso, não foi uma parte neutra documentando um problema de saúde, mas um participante ativo em tornar o ambiente cultural mais hostil para as próprias pessoas que afirmava estar ajudando. Toda a estrutura narrativa do programa pode ser vista como uma forma de ritual de humilhação pública. Os participantes eram apresentados por meio de confissões chorosas de seus “pecados”, forçados a passar por uma “penitência” pública na academia e, em seguida, julgados em pesagens semanais, onde recebiam elogios ou eram eliminados. Essa peça de moralidade, enquadrando uma condição médica complexa em termos de pecado e redenção, foi culturalmente ressonante, mas psicologicamente prejudicial, especialmente quando a “salvação” prometida da perda de peso permanente era, para muitos, uma impossibilidade biológica.

Um legado complicado reexaminado

As críticas feitas em ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ não são inteiramente novas. Ao longo de sua exibição, The Biggest Loser enfrentou o escrutínio de profissionais de saúde e críticos que argumentavam que seus métodos eram irrealistas, seu foco nos números de peso semanais era insalubre e sua premissa geral era mais sobre entretenimento do que bem-estar. O que torna o novo documentário significativo é seu potencial de centralizar essas críticas de longa data — combinando depoimentos de participantes, admissões de produtores e dados científicos revisados por pares — e apresentá-los como uma narrativa coesa e baseada em evidências para uma audiência global massiva na Netflix.

O título original da série, Fit for TV (Apto para a TV), funciona como um duplo sentido que encapsula essa crítica central. Em um nível, refere-se ao objetivo dos participantes de alcançar um estado físico considerado apresentável para a televisão. Em um nível mais profundo, questiona o que os produtores consideravam “apto” — ou adequado — para transmissão. O documentário argumenta que sofrimento extremo, riscos médicos e manipulação psicológica foram todos considerados “aptos para a TV” porque geravam um produto atraente e lucrativo. O conflito final era entre estar fisicamente em forma e ser “apto para” as demandas da máquina de reality shows — dois objetivos que os métodos do programa podem ter tornado mutuamente exclusivos.

The Biggest Loser serve como um estudo de caso para uma era anterior da televisão de realidade, onde o dever de cuidado com os participantes era muitas vezes secundário à busca por audiência. Nos anos desde seu auge, uma crescente demanda por responsabilidade e supervisão ética emergiu na indústria, alimentada pelos resultados negativos bem documentados de participantes em vários programas. ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ é um produto dessa mudança. É tanto um olhar para trás quanto um conto de advertência, sugerindo que a indústria agora está sendo forçada a acertar as contas com seu passado. O documentário, em última análise, deixa os espectadores pesarem dois legados conflitantes. Um é o status autoproclamado do programa como uma força inspiradora que mudou vidas para melhor. O outro é o legado apresentado no documentário: um de dano metabólico duradouro, trauma psicológico e a perpetuação de um estigma de peso prejudicial. ‘Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser’ não fornece uma resposta simples, mas convida um público moderno a refletir sobre o verdadeiro custo do que antes era considerado TV imperdível.

A série estreia na Netflix em 15 de agosto de 2025.

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