O caso real e a liberdade em disputa por trás de ’27 Noites’, o novo filme argentino da Netflix

27 Noites
Anna Green
Anna Green
Anna Green é redatora da equipe da MCM. Nascida na Austrália, mora em Londres desde 2004.

O cinema argentino retorna com força à Netflix, apostando em suas melhores qualidades: argumentos originais, a mistura de comédia e drama e, acima de tudo, histórias realistas com personagens bem construídos e narrativas de qualidade. “27 Noites” promete uma sutil combinação de tudo isso, além de algumas surpresas.

O filme parte de uma premissa perturbadora: uma mulher de 83 anos, uma mecenas das artes excêntrica e rica, é internada em uma clínica psiquiátrica por suas próprias filhas. Este é o ponto de partida inquietante de “27 Noites”, a nova produção cinematográfica argentina que, sob a superfície de um drama familiar, levanta um questionamento profundo sobre autonomia, velhice e os limites da sanidade.

A figura central, Martha Hoffman, interpretada pela aclamada atriz Marilú Marini, torna-se imediatamente um enigma. Seria ela uma matriarca vulnerável cuja mente sucumbe à demência, uma vítima de um plano friamente calculado para lhe tirar o controle de sua fortuna, ou algo completamente diferente e inesperado?

Para desvendar essa complexa situação, entra em cena o perito judicial Leandro Casares, encarregado de investigar e determinar a verdade por trás da internação de Martha. Através de seu olhar, o espectador adentra um labirinto de afetos, interesses e segredos de família.

No entanto, a investigação logo revela que as respostas não são simples. A narrativa resiste a uma conclusão binária, introduzindo uma terceira e mais radical possibilidade: que a internação não seja nem uma tragédia médica nem uma conspiração, mas uma escolha deliberada da própria Martha para viver seus últimos anos em absoluta liberdade, longe das convenções e expectativas sociais.

Assim, “27 Noites” transcende o gênero do thriller psicológico para se tornar uma sofisticada exploração da autodeterminação no capítulo final da vida, questionando quem tem o direito de definir a normalidade e a felicidade de outra pessoa.

O eco de um caso real

A história de “27 Noites” tem suas raízes em um caso verídico de grande repercussão na alta sociedade argentina, um acontecimento que primeiro foi transformado em literatura e agora chega ao cinema. O filme é baseado no aclamado romance “Vinte e sete noites”, da escritora e psicanalista Natalia Zito, que se inspirou na história de Natalia Kohen, uma artista plástica e mecenas que, em 2005, aos 88 anos, foi internada por suas filhas em uma clínica psiquiátrica.

Os motivos alegados na época incluíam um suposto esbanjamento da fortuna da família, uma vida sexual ativa e um estilo de vida considerado “inadequado” para sua idade, tudo amparado por um diagnóstico de demência. O livro de Zito, e por extensão o filme, mergulha nas complexidades desse conflito, explorando os limites da saúde mental, a vulnerabilidade que surge com a velhice e as dinâmicas de poder no seio de uma família de elite. A autora expressou seu interesse em que a história sirva como um “instrumento para pensar aspectos complexos” e confia que o filme gerará um debate semelhante. Ao ficcionalizar este ponto de partida, “27 Noites” utiliza um drama íntimo para levantar questões universais sobre a liberdade individual frente às expectativas familiares e sociais.

Um roteiro a várias mãos

O processo de levar essa história para a tela foi notavelmente colaborativo. A base foi o romance de Natalia Zito, que forneceu a estrutura narrativa e a profundidade psicológica dos personagens. No entanto, a adaptação não foi uma tradução direta. Um passo intermediário crucial foi uma versão inicial do roteiro realizada por Mariano Llinás, uma das figuras mais influentes do cinema argentino contemporâneo. Sobre essa base, o roteiro definitivo foi elaborado por uma equipe de três pessoas: o próprio diretor Daniel Hendler, junto com os roteiristas Martín Mauregui e Agustina Liendo. Este método de desenvolvimento em múltiplas etapas, filtrando a história através de várias sensibilidades artísticas importantes, resulta em um roteiro que é muito mais do que uma simples adaptação: é um palimpsesto criativo enriquecido pelas contribuições de diferentes vozes.

A visão de Hendler e o selo da La Unión de los Ríos

À frente deste complexo projeto está Daniel Hendler, que assume uma tripla função: é o diretor, corroteirista e um dos protagonistas. Hendler mergulha na história interpretando Leandro Casares, o perito judicial cuja perspectiva se torna o principal veículo para que o público navegue pelo mistério. O próprio Hendler articulou seu interesse na dinâmica central do filme, descrevendo-a como uma exploração da “conjunção, ou dissonância” entre os universos de Casares e Martha. Em suas palavras, seu fascínio reside nas “coisas que se desencaixam um pouco, e como elas se relacionam e se articulam”, destacando que os dois personagens são “como dois polos opostos”.

A força motriz por trás do projeto é a produtora La Unión de los Ríos, liderada pelos produtores Santiago Mitre e Agustina Llambi Campbell. Mitre e Llambi Campbell são nomes associados a alguns dos filmes argentinos mais aclamados internacionalmente nos últimos anos, como o indicado ao Oscar “Argentina, 1985”. Sua participação confere ao projeto um selo de prestígio e rigor artístico. De forma significativa, “27 Noites” marca a primeira produção da La Unión de los Ríos para a Netflix, uma aliança que representa uma convergência estratégica entre o cinema de autor argentino e o poder de distribuição massiva de uma gigante do streaming.

O elenco e a equipe técnica

O peso e a ambição de “27 Noites” se refletem no calibre da equipe reunida. O projeto é ancorado por uma atuação central de Marilú Marini como Martha Hoffman, um papel que exige uma imensa capacidade de transitar entre a fragilidade, a excentricidade e uma possível lucidez desafiadora. Ao lado dela e de Daniel Hendler, o filme conta com um elenco de apoio de primeiro nível que inclui figuras proeminentes da cena argentina como Humberto Tortonese, Julieta Zylberberg, Paula Grinszpan e Carla Peterson, formando um conjunto de atores de grande solidez. Este nível de excelência se estende à equipe técnica, com Julián Apezteguía na direção de fotografia, Pedro Osuna a cargo da trilha sonora e Nicolás Goldbart como responsável pela montagem, formando uma equipe de primeira para dar vida à complexa atmosfera do filme.

Um selo de aprovação de San Sebastián

Antes de sua chegada às telas de todo o mundo, “27 Noites” seguiu uma trajetória cuidadosamente planejada para consolidar seu prestígio artístico. O filme teve sua estreia mundial em um palco de máxima categoria: a 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, um dos eventos mais importantes do circuito cinematográfico global. O filme não apenas foi selecionado para participar, mas recebeu a honra de ser o filme de abertura da Competição Oficial do festival. Esta é uma posição de enorme visibilidade e distinção, que coloca o filme na disputa pelo prêmio máximo do festival, a Concha de Ouro. Essa estratégia de lançamento em um festival de classe A atua como um poderoso mecanismo de validação, posicionando “27 Noites” como uma obra cinematográfica séria e relevante antes de sua distribuição massiva em streaming.

Detalhes da estreia

“27 Noites” se apresenta como um evento cinematográfico significativo, uma obra que entrelaça um mistério familiar com questões universais sobre a vida, a morte и o direito à autodeterminação. Através do enigma de Martha Hoffman, o filme explora a natureza ambígua da verdade, as complexas dinâmicas de poder dentro dos laços de sangue e, acima de tudo, a busca corajosa e às vezes incompreendida pela liberdade pessoal na velhice.

Após sua aclamada passagem pelo Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, onde abriu a Competição Oficial em 19 de setembro de 2025, e depois de uma estreia limitada em cinemas selecionados na Argentina a partir de 9 de outubro de 2025, “27 Noites” terá sua estreia global na Netflix. O filme estará disponível na Netflix para todo o mundo a partir de 17 de outubro de 2025.

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