Realismo, humor sarcástico e reformatórios juvenis são os cartões de visita de “Bad Boy”, uma série que chega agora à Netflix com a chancela de um criador de sucesso, Ron Leshem, o que já seria motivo suficiente. Além disso, bastam alguns minutos para perceber que a série tem qualidade no roteiro, na estética e é narrada de forma original, crua, mas também divertida e irônica.
Vinda de Israel, esta série dramática de oito episódios tem um pedigree significativo, cocriada por Ron Leshem, a mente por trás da série original “Euphoria” (2019) que gerou o fenômeno global da HBO, e pela cineasta Hagar Ben-Asher, conhecida por obras como “The Slut” e “Dead Women Walking”.
A série mergulha na vida de Dean Scheinman, um comediante de sucesso cujas conquistas atuais são constantemente ameaçadas pelo trauma não processado de seu passado: anos trancado em um brutal centro de detenção juvenil. Adicionando uma profunda camada de autenticidade, “Bad Boy” é inspirada na história real de seu cocriador, corroteirista e estrela, Daniel Chen, que interpreta a versão adulta do protagonista, baseando-se diretamente em suas próprias experiências dentro do sistema de justiça juvenil israelense.
Já elogiada em seu país de origem, “Bad Boy” chega ao cenário mundial com peso crítico significativo. Após estrear no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) em 2023 e alcançar um “sucesso enorme” durante sua exibição na emissora israelense HOT a partir de novembro de 2024, a série dominou os Prêmios da Academia Israelense de 2025.
Os dois Deans: Navegando por uma vida fraturada
“Bad Boy” se desenrola através de duas linhas temporais distintas, entrelaçando constantemente o passado e o presente para pintar um retrato complexo de seu protagonista, Dean Scheinman.
No passado, conhecemos Dean como um menino de 13 anos (interpretado com vulnerabilidade por Guy Manster), abruptamente arrancado de sua casa por oficiais correcionais e jogado na realidade sombria, semelhante a uma fortaleza, de um centro de detenção juvenil. Descrito como “mordaz”, “inteligente e espirituoso”, Dean aprende rapidamente que seu humor e inteligência são facas de dois gumes: ferramentas para a sobrevivência em um ambiente brutal, mas também fontes de conflito potencial. O centro é um lugar projetado para quebrar seus habitantes, marcado pela violência desde o início. Aqui, Dean forma um vínculo crucial e complexo com Zion Zoro (Havtamo Farda), um colega interno considerado pelos outros como um misterioso assassino a sangue frio cumprindo pena por homicídio. Navegar por este mundo implica lidar com figuras como a diretora da prisão inteligentemente elegante, Heli (Liraz Chamami), e lidar com o amor complicado de sua mãe problemática, Tamara (Neta Plotnik).
Justaposta a este passado difícil está a vida presente de Dean como um comediante de stand-up de sucesso, interpretado pelo próprio Daniel Chen. Embora sua comédia explore partes de sua história, Dean continua desesperado para manter a extensão completa de seu encarceramento juvenil como um segredo bem guardado. A tensão central da série reside neste equilíbrio precário: os traumas não processados e os segredos enterrados de seu tempo atrás das grades ameaçam constantemente ressurgir e destruir a vida que ele construiu meticulosamente.

A história real por trás de ‘Bad Boy’
O poder cru de “Bad Boy” vem diretamente de suas raízes na experiência vivida. A série é explicitamente “inspirada em fatos reais”, baseando-se amplamente na vida do cocriador Daniel Chen. Chen passou uma parte significativa de sua juventude – as fontes mencionam tanto quatro quanto seis anos – entrando e saindo de várias instituições para delinquentes juvenis em Israel. Ele falou abertamente sobre as circunstâncias que levaram ao seu encarceramento, citando ter sido criado sem pai, uma mãe que nem sempre estava presente, hiperatividade e falta de limites que levaram a internações cada vez mais severas, culminando em uma prisão real. Seu caminho foi repleto de dificuldades; ele admitiu ter sido preso novamente apenas dois dias após uma libertação por agredir outro jovem com uma faca, descrevendo a prisão como um lugar que “testa seus limites”. Surpreendentemente, o projeto realmente se consolidou quando Chen se associou a Ron Leshem. Leshem, um ex-jornalista investigativo, trouxe seu próprio fascínio de longa data pelo tema. Vinte anos antes, inspirado por reportagens sobre crianças nascidas na prisão – indivíduos que ele sentia que “nasceram em um destino e não tiveram a chance de um destino alternativo” – ele havia escrito uma história sobre jovens pré-adolescentes encarcerados ao lado de criminosos adolescentes mais velhos e endurecidos.
O indivíduo cuja vida inspira a série também é cocriador, corroteirista e protagonista como a versão adulta de si mesmo: isso imbui “Bad Boy” com uma camada de autenticidade. Cria um poderoso ciclo de feedback entre a experiência vivida, a interpretação criativa e a atuação, o que provavelmente resulta em uma honestidade emocional crua raramente vista na televisão.
No entanto, a série não é apenas a história de Chen adaptada diretamente. Representa uma gênese colaborativa, misturando a realidade de Chen com os interesses temáticos e conceitos narrativos de Leshem. A participação de uma equipe de roteiristas mais ampla, incluindo Roy Florentine, Moshe Malka, Amit Cohen e Daniel Amsel, sugere ainda um esforço coletivo na formatação da narrativa final, enriquecendo a história pessoal com múltiplas perspectivas criativas.
Os criadores
Guiando “Bad Boy” está um trio de figuras criativas chave, cada uma trazendo uma experiência distinta para o projeto. Ron Leshem atua como showrunner, cocriador e corroteirista, aproveitando sua vasta experiência em séries aclamadas como “Euphoria”, “Vale das Lágrimas” (“Valley of Tears”) e “No Man’s Land”. Seu histórico com narrativas complexas, muitas vezes sombrias e focadas nos personagens, fornece uma base sólida para a série.
Hagar Ben-Asher assume o papel crucial de dirigir a série completa de oito episódios, além de cocriar e coescrever. Seu trabalho anterior, incluindo “The Slut” e “Dead Women Walking”, demonstra uma capacidade de lidar com temas desafiadores e estudos íntimos de personagens. Ter um único diretor no comando de todos os episódios garante uma consistência visual e tonal unificada, vital para navegar pelas linhas temporais duplas e complexidades emocionais da série.
Completando o trio central está Daniel Chen, cujo papel multifacetado como cocriador, corroteirista, estrela (como Dean adulto) e a própria inspiração da série é central para sua identidade. Sua participação enraíza a narrativa em uma realidade inegável.
O elenco conta com Guy Manster oferecendo o que promete ser uma atuação reveladora como o jovem Dean, ao lado de Havtamo Farda como o enigmático Zion. Os atores coadjuvantes incluem Liraz Chamami como a diretora Heli e Neta Plotnik como a mãe de Dean, Tamara. Notavelmente, muitos membros do elenco, particularmente os atores mais jovens como Manster e Farda, não são profissionais e atuam pela primeira vez.
A série é uma coprodução internacional, uma colaboração entre o estúdio global Sipur e a The North Road Company de Peter Chernin (marcando a primeira coprodução internacional da North Road), juntamente com a emissora israelense HOT e a Tedy Productions.
Nossa opinião
Como aconteceu com Euphoria, estamos francamente surpresos com a qualidade e a originalidade da série. No início, você pensa: uma série sobre um reformatório? Não apetece muito ver um drama juvenil, não.
Mas nossa percepção muda ao assistir a alguns minutos da produção: humor, realidade, mas, acima de tudo, qualidade cinematográfica e, principalmente, no roteiro. Como em Euphoria, é uma visão complexa da realidade, com humor, estilo, moderna e que não nos dá todas as respostas: não há moralidade barata nem lições de vida televisivas. Aqui há realidade que, tecida com qualidade cinematográfica, consegue prender o espectador em suas redes de personagens complexos.
Vale a pena? Sim, certamente, por sua qualidade, sua história e, acima de tudo, por seus personagens e pela maneira como é contada.
Onde assistir “Bad Boy”