Guerra pelo Trono do Rio: ‘Os Donos do Jogo’, a Nova Saga Criminal da Netflix

A Nova Ordem do Crime no Rio de Janeiro

Os Donos do Jogo
Anna Green
Anna Green
Anna Green é redatora da equipe da MCM. Nascida na Austrália, mora em Londres desde 2004.

No coração do Rio de Janeiro, um império criminoso construído sobre o jogo ilegal está à beira do colapso. A nova série de ficção da Netflix, Os Donos do Jogo, mergulha o público no submundo da cidade, um universo governado por famílias poderosas cuja hegemonia é subitamente ameaçada. O epicentro de seu poder é o “jogo do bicho”, uma loteria clandestina profundamente enraizada na cultura local. No entanto, o ecossistema que o sustenta enfrenta uma crise existencial provocada por duas forças disruptivas e implacáveis.

O primeiro catalisador do caos é uma ameaça legislativa interna: a iminente legalização dos jogos de azar no Brasil. Essa medida governamental promete destruir a velha ordem, despojando os sindicatos do crime do monopólio e do poder que a ilegalidade lhes confere. Simultaneamente, uma ameaça externa paira sobre o mercado local: o interesse de um sindicato do crime organizado estrangeiro que busca dominar o próspero negócio clandestino do Rio. Presos entre a legitimação de sua indústria e uma aquisição hostil, os jogadores de longa data são forçados a uma luta desesperada para manter seus impérios intactos.

O título original da série, “Contravenção”, oferece uma chave temática fundamental. A palavra sugere que os personagens operam sob um código onde sua atividade ilegal é vista como uma mera falta administrativa, enquanto as verdadeiras transgressões são aquelas cometidas contra a lealdade e a família. Essa tensão é sublinhada no trailer da série, onde um princípio fundamental do submundo é declarado: “A traição é pior que o assassinato”. A narrativa não se concentra apenas na luta contra a lei, mas na violação dos códigos não escritos que sustentam seu mundo, justamente quando a própria definição de legalidade está prestes a mudar para sempre.

O Coração do Conflito: O Jogo do Bicho

Para entender a magnitude do conflito em Os Donos do Jogo, é crucial compreender o fenômeno que está em seu centro: o jogo do bicho. Longe de ser um simples jogo de azar, é uma instituição cultural profundamente enraizada no tecido social do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Criado em 1892 pelo Barão João Batista Viana Drummond como uma estratégia para atrair visitantes ao zoológico da cidade, o jogo rapidamente se popularizou por sua simplicidade: os jogadores apostam em um dos 25 animais, cada um associado a uma série de números.

Apesar de ter sido declarado ilegal e tipificado como contravenção em 1941, o jogo do bicho não apenas sobreviveu, mas prosperou na clandestinidade, tornando-se um pilar da economia informal. Estima-se que gere bilhões de reais anualmente e tenha empregado dezenas de milhares de pessoas, operando como uma vasta rede descentralizada controlada pelos “bicheiros”, ou banqueiros. Essas figuras se tornaram líderes comunitários influentes, muitas vezes vistos como benfeitores que financiavam desde eventos sociais até as famosas escolas de samba do Carnaval do Rio, consolidando seu poder através da lealdade e do medo.

No entanto, essa aura romântica de “crime popular” esconde uma realidade mais sombria. O jogo tem sido historicamente um veículo para corrupção, lavagem de dinheiro e violência, dando origem ao que alguns promotores descreveram como uma autêntica “máfia brasileira”. É neste ecossistema complexo — metade instituição cultural, metade império criminoso — que a batalha pelo poder em Os Donos do Jogo é travada. Uma luta não apenas pelo controle de um negócio, mas pela alma de uma tradição carioca.

A Ascensão do Profeta: O Disruptor

Em meio a este turbilhão de mudanças e incertezas, surge uma nova figura destinada a abalar as fundações do poder: Profeta. Vindo de Campos dos Goytacazes, na periferia do Rio de Janeiro, Profeta é um concorrente que ameaça tomar tudo. Ele é filho de Nélio (Adriano Garib) e irmão de Nelinho (Pedro Lamin) e Esqueleto (Ruan Aguiar), mas sua ambição é singular e avassaladora: provar a seu pai e ao mundo que ele “nasceu para liderar”.

Sua ascensão não se baseia na força bruta, mas em suas habilidades inatas como “um estrategista nato com o dom da persuasão”. Esse perfil o posiciona como um disruptor intelectual, alguém que entende as oportunidades que surgem do caos enquanto as famílias estabelecidas se apegam a um passado que desaparece. Seu nome, Profeta, não é uma coincidência; implica uma capacidade de ver o futuro, de antecipar a nova ordem do crime no Rio e se posicionar para defini-la. Enquanto outros lutam para preservar o jogo antigo, ele parece determinado a criar as regras do novo. Seu estilo estratégico e carismático o torna uma ameaça imprevisível para as dinastias estabelecidas.

O papel é interpretado por André Lamoglia, ator conhecido por sua participação no drama adolescente da Netflix, Elite. Essa escolha de elenco sugere um esforço para atrair um público mais jovem para um gênero tradicionalmente adulto, apresentando Profeta como um anti-herói complexo e carismático. Sua condição de forasteiro — um homem da periferia que precisa provar seu valor — estabelece um conflito clássico de ascensão social e criminal, opondo o homem que se fez por si mesmo a um sistema dinástico e enraizado que o vê como um mero arrivista.

Dinastias em Guerra: As Famílias do Poder

O controle do submundo do Rio de Janeiro está nas mãos de quatro famílias rivais, cada uma com suas próprias tradições, ambições e conflitos internos. A série explora a complexa teia de alianças e traições que as une e as separa, destacando o choque ideológico entre tradição e modernidade.

A Velha Guarda: O Clã Fernandez

Esta família representa “a velha guarda do submundo, com todas as suas tradições e conquistas”. Seu principal objetivo é preservar o status quo e manter o poder a todo custo. À frente está o patriarca Galego Fernandez (Chico Diaz), um chefe acostumado a “dar ordens e tomar as decisões”. Seu estilo de poder é autoritário e tradicional, focado em manter os velhos costumes que garantiram seu domínio por anos. Ao seu lado está sua esposa, Leila (Juliana Paes), que, embora permaneça à sombra do marido, “move os pauzinhos como uma rainha”, insinuando dinâmicas de poder internas complexas e ambições ocultas. O clã é completado por seu filho Santiago (Henrique Barreira) e seu irmão Xavier (Otávio Muller), o que abre as portas para possíveis lutas de sucessão.

O Sangue Novo: O Império Guerra

No extremo oposto do espectro está a família Guerra, uma “nova geração que busca modernizar o jogo do bicho”. Este clã é definido por sua ambição audaciosa e uma intensa rivalidade interna. Sua abordagem agressiva e implacável contrasta fortemente com a da velha guarda, buscando a modernização do negócio a qualquer custo. O poder é exercido por Búfalo (Xamã), um ex-lutador de MMA que se casou com uma das herdeiras e assumiu o controle do negócio da família. Sua esposa, Suzana Guerra (Giullia Buscaccio), é descrita como “ambiciosa e astuta”, disposta a destruir sua própria família se necessário. Sua rival é sua própria irmã, Mirna Guerra (Mel Maia), que é “articulada e com mentalidade empresarial”, assim como seu pai, o visionário, mas doente, Jorge Guerra (Roberto Pirillo).

Outros Jogadores no Tabuleiro

Para ilustrar a fragilidade do poder neste mundo, a série apresenta a família Saad. Seu herdeiro, Renzo (Bruno Mazzeo), foi “emboscado e preso” antes de poder assumir o controle. Agora, ele espera sua chance de retornar, enquanto seu tio Marcinho (Tuca Andrada) atua como um intermediário temporário entre os chefões. Este clã enfraquecido desempenha um papel passivo e intermediário, mantendo seu lugar no tabuleiro enquanto espera uma oportunidade para recuperar sua antiga influência.

Choque de Titãs: Rivalidades que Definem a Guerra

A luta pelo poder no Rio não é abstrata; ela se materializa em confrontos pessoais de alto risco que definirão o curso da guerra. Os materiais promocionais da série destacam três rivalidades principais que servem como motores dramáticos da trama.

A Coroa em Disputa: Profeta vs. Búfalo

Este é o conflito central pelo trono. Ele opõe Profeta, o estrategista da periferia, a Búfalo, o ex-lutador de MMA que obteve seu poder através do casamento. É uma dinâmica clássica de cérebro contra músculos, mas também uma batalha por legitimidade. Profeta busca provar que nasceu para liderar, enquanto Búfalo luta para ganhar o respeito da velha guarda e consolidar um poder que não herdou por sangue. Há apenas uma coroa, e ambos estão dispostos a fazer o que for preciso para reivindicá-la.

A Herança de Sangue: Mirna Guerra vs. Suzana Guerra

Tão brutal quanto as guerras externas é o conflito que se desenrola dentro do Império Guerra. A rivalidade entre as irmãs Mirna e Suzana pelo controle do negócio da família explora temas de ambição e poder feminino em um mundo patriarcal. Mirna, articulada e com visão de negócios como seu pai, representa um caminho mais estratégico. Suzana, por outro lado, é astuta e implacável, disposta a “destruir sua própria carne e sangue se necessário”. O confronto delas determinará não apenas quem liderará a família, mas também que tipo de poder prevalecerá na nova era.

O Poder nas Sombras: Galego Fernandez vs. Leila Fernandez

Dentro da aparentemente monolítica velha guarda, uma rivalidade mais sutil, mas igualmente potente, está se formando. A dinâmica entre o chefe visível, Galego, e sua esposa Leila, que “move os pauzinhos como uma rainha”, sugere que o verdadeiro poder do clã tradicionalista pode não estar onde parece. Este conflito interno sugere a possibilidade de traição no coração da família mais estabelecida, reforçando a ideia de que, em seu mundo, a traição pode ser pior que o assassinato.

Por Trás das Câmeras: A Criação de um Mundo da Máfia

Os Donos do Jogo é uma produção da Paranoïd, com uma equipe criativa liderada por Heitor Dhalia, Bernardo Barcellos e Bruno Passeri. Barcellos também assina o roteiro, enquanto a direção fica a cargo de Dhalia, Rafael Miranda Fejes e Matias Mariani.

A série ocupa uma posição estratégica nos planos da plataforma, pois introduz a “linha de produções de máfia” da Netflix Brasil. Isso a posiciona como uma série de destaque, destinada a construir um subgênero específico com um selo de autenticidade local. A produção busca levar para a tela um “sabor autêntico do Rio de Janeiro”, combinado com “toques de melodrama” para atrair um público global. A participação de Heitor Dhalia, criador da série da Netflix DNA do Crime, é significativa. Sugere uma estratégia da Netflix de investir em um criador de sucesso comprovado para desenvolver um universo coeso de histórias de crime brasileiras, criando assim uma marca de conteúdo reconhecível para os espectadores.

Data de Lançamento

Para dar vida a esta complexa teia de ambição, traição e laços familiares, a produção reuniu um elenco de primeira linha. O elenco principal é liderado por André Lamoglia, Chico Diaz, Giullia Buscaccio, Juliana Paes, Mel Maia e Xamã. A eles se junta um grupo distinto de atores coadjuvantes, incluindo Adriano Garib, Bruno Mazzeo, Dandara Mariana, Igor Fernandez, Pedro Lamin, Ruan Aguiar, Stepan Nercessian e Tuca Andrada, completando um elenco estelar para esta batalha épica pelo poder.

A série, um drama policial, estreia na Netflix em 29 de outubro.

Compartilhe este artigo
Nenhum comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *