A cena artística nova-iorquina se prepara para revisitar a obra de uma figura extraordinária, Lucia Wilcox (1899-1974), cuja trajetória singular começou em Beirute e floresceu nos efervescentes círculos artísticos de Paris e Nova York. Residente de East Hampton a partir da década de 1940, Wilcox foi uma ponte vital entre artistas emigrados europeus, como Fernand Léger e Max Ernst, e os expoentes do Expressionismo Abstrato, incluindo Jackson Pollock e Willem de Kooning. Sua vida, descrita como “entrelaçada na história da arte do século XX”, ganha um novo capítulo com a primeira exposição de seu trabalho pela Galeria Berry Campbell, após o anúncio da representação de seu espólio.
A mostra, intitulada “LUCIA WILCOX: LUCIA”, concentrar-se-á em suas obras surrealistas intensamente coloridas e imaginativas, produzidas entre 1943 e 1948. Conhecida profissionalmente apenas como “Lucia”, ela fundiu influências do Fauvismo, Primitivismo e Simbolismo para criar composições surrealistas que se destacavam por uma celebração alegre da vida, da liberdade e dos prazeres sensuais. Frequentemente, utilizava o nu feminino, a cor e a linha para construir um universo de prazer desinibido, por vezes inspirando-se em Henri Matisse. No entanto, com representações irônicas e bem-humoradas, Lucia transformava tropos tradicionais de anjos femininos, nus reclinados e dançarinas – frequentemente emblemas da eterealidade e sexualidade feminina nas obras de artistas masculinos – em afirmações da liberdade e do prazer da mulher. Essas “paisagens de fantasia” representam um desafio feminista sutil ao ethos surrealista, no qual artistas homens frequentemente usavam mulheres como musas e médiuns para visões permeadas de violência erótica e alucinações. Assim como outras mulheres associadas ao Surrealismo, Lucia encontrou no movimento uma voz nos anos 1940, substituindo ideologias por uma arte de fantasia mágica e fluxo narrativo.
Embora o lirismo onírico de sua obra possa evocar Marc Chagall, Lucia expressava um entusiasmo exuberante pela vida no presente, contrastando com o refúgio frequente de Chagall na memória e na saudade espiritual. Para Lucia, a pintura era um reflexo pessoal, uma caligrafia, sua única forma de escrever poesia. Essa filosofia transparece em obras como “Caminho da Selva” (1946), onde criaturas semelhantes a tigres e rostos humanos emergem de uma densa paisagem tropical. Um leão de olhos arregalados encara o espectador, convidando-o a adentrar um espaço místico onde as fronteiras entre o humano, a natureza e o ambiente se dissolvem, rejeitando simbolicamente as hierarquias que sustentam estruturas patriarcais.
O tema central de Lucia era a liberdade, expressa através da imediação, da mudança, do movimento e da fusão entre o figurativo e o decorativo. Ela alcançou isso mesclando tradições orientais e ocidentais em padrões planos e dinâmicos, que remetem tanto à arte islâmica e bizantina de sua juventude no Oriente Médio quanto à sua experiência com design têxtil. Suas obras dos anos de guerra refletem não apenas sua própria fuga da Europa, mas também uma meditação mais ampla sobre a resistência da humanidade à opressão.
Nos anos 1950, Lucia voltou-se para a abstração, criando pinturas gestuais no idioma do Expressionismo Abstrato, influenciada por suas amizades com artistas como Pollock e de Kooning. Com pinceladas cortantes, marcas caligráficas e cores manchadas, ela estendeu seus temas centrais de imediatismo espiritual e liberdade expressiva. Mesmo após perder quase que totalmente a visão, Lucia adaptou sua prática, trabalhando com nanquim em vez de óleo, demonstrando uma resiliência característica.
A exposição na Galeria Berry Campbell é acompanhada por um catálogo totalmente ilustrado. A galeria, conhecida por seu compromisso em destacar artistas historicamente marginalizados, oferece esta oportunidade de mergulhar no mundo de Lucia Wilcox.
A exposição “LUCIA WILCOX: LUCIA” estará aberta ao público de 22 de maio a 28 de junho de 2025, com uma recepção no dia 29 de maio de 2025, das 18h às 20h. A galeria funciona de terça a sábado, das 10h às 18h, ou com hora marcada. Este evento marca a primeira exposição de Lucia Wilcox pela galeria, que anunciou recentemente a representação do espólio da artista em 7 de maio de 2025.